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sexta-feira, 22 de abril de 2011

RELATO DA PAIXÃO DE NOSSO SENHOR JESUS CRISTO!

Ao entrarmos com a atenção devida no relato da Paixão de nosso Senhor Jesus Cristo em qualquer das suas versões, primeiramente havemos de nos perceber da sua força e da sua fraqueza.
Da sua força, porque não é impossível vê o relato da paixão de nosso Senhor apenas de fora, da platéia e assisti-lo com um torcedor no meio da torcida. Antes nos Vemos implicados nele, atravessados por ele e até explicados por ele: está ali exposta a profundidade das nossas fúrias e dos nossos ódios, da nossa astúcia, da nossa brutalidade, da nossa mentira, da atração e do fascínio, quem diria, que sobre nós exerce a morte!Eu disse: da atração e do facinio, que sobre nós exerce a morte.
Em contraponto, está ali também exposto, revelado o rosto, a expressão da verdade, do amor sempre Primeiro e do Perdão sem fim, que acolhe a nossa violência e o nosso pecado, subvertendo-os, levando-os até ao fim do círculo vicioso da revanche, é vitória sobre a miséria que emana da natureza do pecado, cujo efeito é sempre acorrentar e encadear.
Da sua fraqueza, porque o relato da Paixão tem pouca coisa de próprio; pediu muitos elementos emprestados; apresenta-se saturado com as estridentes súplicas e outras notas saídas dos Salmos, com o silêncio do Servo de YHWH, com a narrativa que atravessa os Livros do Pentateuco, Profetas, Sabedoria, Cântico dos Cânticos, Daniel, com tantas notas saídas das páginas da vida e de todas as Escrituras.
É assim na sua força que nos implica e na sua fraqueza que nos explica. O relato da Paixão se apresenta verdadeiramente como um RELATO. Porque o relato, isto é, põe em relação, une, reúne, enlaça, entrelaça duplamente: primeiro, porque faz uma relação dos acontecimentos; segundo, porque põe em relação o narrador e a narrativa.
Vinculados no corpo e na memória, na vida e no serviço do amor, atravessamos o Cedron e entramos no jardim. É de noite, mas queima a LUZ. É verdade que já não estamos todos. Judas perdeu-se na NOITE, (Jo 13,30). Virá depois com tochas e lanternas – mísera ilusão da luz – e com soldados e armas (Jo 18,3).
Vem prender a LUZ, mas cai encandeado (Jo 18,6). Tem de ser a LUZ a ofuscar-se por amor e a entregar-se a ele por amor. Neste ponto preciso, lembrar o relato de Marcos que todos nós fugimos, abandonando-o (Mc 14,50). E fugidos andaremos, e perdidos, na noite e no frio, até sermos outra vez por Ele encontrados e recolhidos. Mas Pedro, perdido, se acolhe a outra luz e se aquece em outro fogo (Jo 18,18). E, interpelado, nega ter andado com Jesus, ter alguma coisa a ver com Jesus, ter parte com Jesus. Nega mesmo conhecer Jesus (Mc 14,67-71).
Até que o galo canta, e começa a nascer o dia para Pedro (Mc 14,72). Mas Jesus prossegue o seu caminho de amor até ao fim. Até à Cruz. É lá que se revela o rosto abatido pelo sofrimento e gosto pela morte que nos habita. «Salva-te a ti mesmo!» (Lc 23,35.37.39), gritamos nós repetidamente zombando, porque o que queremos mesmo, não é que Ele se salve; o que queremos mesmo é assistir ao doentio espetáculo da morte! A tanto chegou a nossa maldade! Um ódio sem motivo, sem fundo, nos habita (Sl 35,19; 69,5; Jo 15,25).
Ele, Jesus é o Justo.  Ele é a Bondade absolutamente gratuita, sempre Primeira e radical, igualmente sem motivo, sem fundo. Ele ama e Ele é amor Primeiro (1 Jo 4,19), quando éramos ainda pecadores Ele já nos amava(Rm 5,8). Por isso, em vez de à nossa violência oferecer mais violência, Ele acolhe-a e acolhe-nos por amor, e por amor a nós se entrega, declarando assim ultrapassados e inúteis os nossos mais requintados ódios e os nossos mais sofisticados instrumentos de guerra (cf. Is 2,2-4; Mq 4,1-3).
Ali, naquele Corpo Crucificado, morto por amor. 
E por amor exposto por escrito diante dos nossos olhos atônitos (Gl 3,1), morre o nosso desejo de morte, o nosso pecado, apagado pelo fogo do amor, que declara o nosso pecado completamente inútil, inutilizado, anulado e ultrapassado (cf. Cl 2,14). Podemos agora olhar a Cruz de outra maneira. Afinal, ninguém nos fez frente, ninguém nos faz frente.  E começar o caminho retrospectivo do olhar e da memória, podemos começar agora a entender que aquelas chagas é o espelho em que podemos ver a nossa violência, a nossa maldade, o nosso pecado. Como toda a paixão, a Paixão de Cristo expressa passividade provocada por numerosas vontades humanas. A Paixão de Cristo revela a ação de outros, mas também a nossa ação.
E podemos ir mais longe e confessar a única verdade disponível: Nós somos culpados!
Ou não veio Ele para que se manifestem os pensamentos escondidos de muitos corações? (Lc 2,35). Mas confessar sem medos, sem receios, porque nenhum tribunal nos julgará, nenhuma retaliação se seguirá, nenhuma ameaça nos persegue. Esta é a descoberta esplêndido! Ninguém nos acusou. Nem Deus nem o Servo Justo, Cristo Jesus. Nenhuma acusação impende sobre nós. Nesse sentido, aquele Corpo aos nossos olhos exposto por escrito nos evangelhos, aquelas chagas abertas, podem ser verdadeiramente a nossa cura (1 Pe 2,24; cf. Is 53,5).
Está ali tudo exposto. Tudo às claras. Nada escondido!
Podemos, portanto, agora que sabemos qual é o mal em nós e que conhecemos o remédio, aceitar o processo da cura. «Assim como Moisés levantou a cobra no deserto (Nm 21,8-9), assim «é necessário» que seja levantado o Filho do Homem» (Jo 3,14. É necessário que seja o Bem a vencer sem combater este combate. Só o Bem é livre. O Bem não começou. O Bem é Primeiro e é para sempre. O mal é que começou e se multiplica, até ser completamente anulado pelo Bem.
A verdadeira morte não é o termino da vida, mas aquilo que, desde o princípio, impede de nascer e impede de viver. E aquilo que impede de nascer para a Liberdade são as iras e os ódios, a violência e o pecado que escravizam o coração do homem e da mulher. O percurso verdadeiro não é o que fazemos da vida para a morte, mas o que fazemos da morte para a vida.
Não vivemos para morrer, mas morremos para viver.
E é o amor que faz passar da morte para a vida (1 Jo 3,14; cf Jo 5,24). É neste funil de luz que se situa o relato de Mateus quando refere que, com a morte de Jesus, «muitos túmulos se abriram e muitos corpos dos mortos santos ressuscitaram» (Mt 27,52).
Pe. Jeová de Jesus Morais
Pároco de Uruará
Prelazia do Xingu
Pará- Amzônia-Brasil

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